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Mindset Financeiro Millennial: como a geração dos anos 80 e 90 está a redefinir a relação com o dinheiro

Introdução


A palavra "Mindset" assume hoje uma conotação, por vezes, demasiado extremista, tanto positiva como negativa, no sentido em que se atribui a este "mindset" a importância de tudo ou nada que se consegue alcançar. Nas redes sociais, somos invadidos com frases do género "tens de ter o mindset", "tens o mindset errado" ou "está tudo no mindset".


Aqui reside o problema. O facto de se atribuir a este tal "mindset" este papel tão relevante e que, por vezes, leva a crer que esta palavra e esta atitude são, por si, o segredo do sucesso ou insucesso e isso não podia estar mais longe da verdade.


No entanto, este mindset, ou mentalidade se quisermos usar uma palavra portuguesa assume realmente importância nos nossos resultados, no sentido em que aquilo em que nós pensamos, e a forma como pensamos, vai ter um impacto direto nas nossas ações e, consequentemente, nos nossos resultados. Desmistificando frases das redes sociais, não basta acreditar. No entanto, ajuda muito.


No caso dos Millennials, a geração da qual faço parte e que, habitualmente junta as pessoas nascidas entre 1981 e 1996, somos a geração que viu o surgimento da Internet, dos Smartphones e de uma série de outra coisas incríveis e a única geração que viveu o antes e depois de tudo isso que mudou o mundo de uma forma gigantesca.


No entanto, somos também a geração que, já em adolescente e adulto, viveu o 11 de setembro, a crise do subprime, da COVID, períodos de inflação galopante, a crise da habitação e muitas outras coisas pelo caminho. Como resultado, somos até chamados da "Unluckiest Generation". De vez em quando, há até quem diga que somos a primeira geração que vive pior do que os seus pais. Acho essa ideia já um pouco exagerada demais, principalmente se pensarmos as dificuldades que muitos dos nossos pais passaram ao longo das suas vidas.


No entanto, sendo eu um Millennial, nascido em 1987, e sendo o meu grupo de pessoas mais próximo também da mesma geração, como é natural, há alterações a acontecer. As crises que fomos passando ao longo dos anos, sinto que estão a "enrijecer-nos", pelo menos na sua maioria, logicamente. Sinto que de cada vez que acontece algo, saímos mais fortes.


Esta é a geração que está a trazer crianças ao mundo nos últimos anos. Também aí noto algo interessante: uma vontade gigante de fazer pelos filhos algo de muito melhor do que fizeram por nós, e isto sem qualquer crítica aos nossos pais que, seguramente, fizeram o seu melhor. No entanto, há uma diferença bastante notória dos pais que conheço de quererem preparar os seus filhos muito melhor. Também na parte financeira, isto se vê.


Mindset Financeiro Millennial: como a geração dos anos 80 e 90 está a redefinir a relação com o dinheiro

A herança financeira recebida


Nós, os Millennials, crescemos com um roteiro que nos foi dado para a vida: estudar, trabalhar, comprar casa, casar, ter filhos, reformar. Este roteiro não foi inventado pelos nossos pais. Este roteiro foi o mesmo que lhes foi passado pelos seus próprios pais.


A diferença é que para os nossos pais, na maioria dos casos, funcionou. A ideia de um trabalho para a vida, principalmente na função pública era, e é, um realidade para muitos deles. Ter um ordenado estável, suficiente para pagar as contas, fazer férias 2 semanas por ano em Agosto, e ter algum dinheiro poupado para imprevistos. Este modelo de vida familiar dos anos 80 e 90 funcionou para muitos, nós, enquanto crianças, vimo-lo funcionar e, por isso, é natural, que os nossos pais nos tivessem passado, na melhor das intenções, o mesmo modelo.


Nós começamos o plano e aplicamo-nos nos estudos. Fizemos as nossas licenciaturas e, em muitos casos, mestrados. Primeiro passo concluído.


O problema começou depois, visto que muitos concluíram os seus estudos, precisamente em altura da crise do subprime que afetou o mundo inteiro, sensivelmente, entre 2008 e 2014, inicialmente no mercado norte-americano, alastrando-se ao mercado europeu numa segunda fase. No caso português, a situação que mais nos marcou terá sido a falência do Banco Espírito Santo, em Agosto de 2014.


Ao longo de todos estes anos, o mercado de trabalho, em total contração, não conseguia absorver a quantidade de estudantes que procurava a sua primeira oportunidade de trabalho. Isto levou a que muitos tivessem de tomar uma decisão: esperar que tudo passasse e que se a sua oportunidade surgisse ou então, o que muitos fizeram, trabalhar em outras áreas, muitas vezes pouco ou nada relacionadas com a sua área de formação, em condições precárias até para, pura e simplesmente, não ficarem parados. A minha opinião é que os segundos escolheram melhor. Ficar parado e fora do mercado de trabalho só vai dificultar a entrada mais à frente.


Estes jovens trabalhadores sofreram o seu primeiro "desaire". Fizeram a sua parte, dedicar-se aos estudos, e não tiveram a recompensa que lhes tinham dito que iam ter: um trabalho seguro, estável, na área que estudaram e bem remunerado. Enquanto este ponto não fosse uma realidade, o próximo passo do plano, sair de casa dos pais, não iria acontecer. O que aconteceu foi que essa recompensa, em muitos casos, só veio muito mais tarde e em alguns casos, sabemos hoje, nunca chegou a vir e estes mesmos jovens, hoje já avançados nos seus "trintas", continuam em casa dos pais e sem verem grandes saídas.


O novo paradigma: liberdade, não ostentação


Esta sucessão de acontecimentos levou muitos destes Millennials a pensarem bem no jogo da vida que estavam a jogar e no quão diferente ele era daquilo que lhe tinham dito. As regras que lhes ensinaram durante anos não se aplicavam a eles, aparentemente.


E nós, como a melhor geração de sempre (é a minha opinião altamente enviesada, por isso vale o que vale) entendemos isso, adaptamo-nos e crescemos.


Começamos a pensar nas nossas prioridades e de como elas se adaptavam à nossa, aparente, nova realidade:

  • Será que o trabalho para a vida faz realmente sentido?

  • Trabalhar 48 semanas por ano para ter 4 semanas de férias é justo?

  • Comprar casa é realmente a melhor coisa que posso fazer, mesmo que consiga?


Tudo isto aconteceu na mesma altura do boom das Redes Sociais em Portugal. “Entre 2008 e 2015, o número de utilizadores de redes sociais em Portugal cresceu de 17,1% para 54,8%”. Com as redes sociais, vinha mais informação, mais ideias, mais "coisas de fora da caixa". Novas formas de pensar, novas abordagens e maior facilidade em encontrarmos pessoas e informação que desafiassem o status quo.


E foi aí que coisas como minimalismo, reforma antecipada, nómadas digitais e outras começam, aos poucos, a ganhar espaço nas nossas mentes e a fazer-nos questionar cada vez mais tudo o que nos rodeava.


Juntávamos estas ideias à realidade com a qual nos estávamos a confrontar e parecia haver um match muito melhor do que anteriormente.


A importância da literacia financeira


É impossível falar de redes sociais sem falar do que se chama hoje, o finfluencing, ou seja os criadores de conteúdos, ou influenciadores, se quiseres, na área da literacia ou educação financeira. Pessoas que, como eu, usam o seu tempo para partilhar o seu conhecimento nesta área da literacia financeira.


Diria que esta área começou a ser abordada em Portugal, pelo menos, naquilo que me apercebi, por volta de 2018. Este era um tema que já me interessava bastante antes disso, e como utilizador de redes sociais, era um tema que me interessava e que ia acompanhando os criadores de conteúdo estrangeiros. Sinto que em 2018 o tema começou a ganhar algum espaço. A minha entrada neste mundo foi um pouco mais tarde, já em 2020, em pleno confinamento COVID, e a partir dessa data tem sido um crescente número de ótimos profissionais e criadores de conteúdo nesta área.


Naturalmente que havia exceções e autênticos "monstros", no bom sentido da palavra, claro, como a Bárbara Barroso ou o Pedro Andersson que já trabalhavam nesta área muito antes deste boom das Redes Sociais e que foram, acredito mesmo, os autênticos exploradores e aventureiros deste tema em Portugal, abrindo caminho para que muitos de nós tenham hoje o privilégio de trabalhar na mesma área.


O que é que estes novos finfluencers, a maioria deles também Millennials trouxeram de novo? O facto de juntarem todas estas novas ideias que nos vieram à cabeça com a constatação do "ok, e agora como é que eu faço isso acontecer financeiramente?". Em poucos anos, o acesso à informação democratizou-se e, hoje em dia, são dezenas, provavelmente centenas de pessoas a produzir conteúdo nesta área, cada um com a sua forma e feitio, dando ao público a possibilidade de livremente escolherem com quem mais se identificam e com quem querem aprender.


Vamos ser honestos: existiram, e ainda existem, alguns conteúdos menos bons e nem estou a falar de fraudes ou esquemas financeiros. Estou a falar de algum conteúdo que não é 100% correto, ou mesmo 100% errado e que pode induzir alguém mais inexperiente em erro. É uma área como qualquer outra, onde existem profissionais mais cuidadosos e menos cuidadosos. Infelizmente, e digo mesmo infelizmente, é uma atividade que não é regulada por ninguém. A própria CMVM esclarece que "A mera divulgação de conteúdos de literacia financeira não se enquadra no âmbito de atividades reguladas e supervisionadas pela CMVM". Defendo, e continuo, a defender, que deveria existir uma atividade regulada de "Educador Financeiro" e que seria competência dos reguladores (CMVM, Bando de Portugal e ASF) a fazerem-no. Neste momento, não existe, nada indica que vá existir, por isso fica apenas o meu desejo.


Poupança com propósito


Qualquer pessoa que comece a consumir este conteúdo de literacia financeira vai ser confrontado, muito rapidamente, com o tema da poupança. É verdade que muitos de nós recebemos dos nossos pais essa ideia de ser importante poupar, mesmo que muitos não tenham aplicado grande coisa, mas as ideias são fundamentalmente diferentes.


Para nós, millennials, poupar já não é deixar o dinheiro parado na conta à ordem ou na gaveta da cozinha. Para nós, poupar já implica que ganhemos alguma coisa com isso. Sim, entendemos que não vamos enriquecer com isso, mas damos a importância ao dinheiro que ele realmente tem e aproveitamos as oportunidades que existem de rentabilizar esse dinheiro, enquanto não precisamos dele.


Por outro lado, já não poupamos só por poupar. Poupamos com objetivos: viagens, casa, reforma antecipada, criação de negócios. Seja lá o que for. E não temos medo de usar o dinheiro que definimos para esse objetivo. Poupamos também, ou devemos fazê-lo, para o que habitualmente se chama de "fundo de emergência". Já admitimos e entendemos que os imprevistos vão acontecer, só não sabemos é quando, por isso preparamo-nos porque a probabilidade de termos alguém que nos ajude vai baixando drasticamente, ao mesmo tempo que a probabilidade de termos e querermos ajudar alguém vai subindo.


Conhecemos os nossos números e usamos aplicações de telemóvel ou o Excel para controlar o nosso dinheiro. Sabemos quanto ganhamos, quanto gastamos e onde. Porquê? Porque, de certa forma, fomos obrigados a isso. Porque a vida tranquila de ganhar o suficiente para termos a vida confortável não aconteceu e, como tal, tivemos de aprender e evoluir. E ainda bem...


Investir com intenção


Se falamos de poupança, temos de falar de investimentos.


Para os nossos pais e avós, investir significava uma de duas coisas: certificados de aforro (que nem se enquadram bem como investimento) ou imóveis para arrendar. De vez em quando lá aparecia o ouro, que ficava escondido e bem guardado em casa, mas que nem sequer era bem visto como investimento.


Como resultado do desequilíbrio rendimentos/gastos que tenho vindo a falar, entendemos que ganhar 1% ou 2% nos certificados de aforro não era suficiente. Precisávamos, e queríamos, rentabilizar mais o nosso dinheiro. Começamos a ouvir falar da bolsa de valores, aparecem os filmes de Hollywood a mostrar esse mundo e nós ganhamos o bichinho.


Começam a surgir corretoras, chamadas low-cost que nos permitiam fugir aos preçários abusivos dos bancos que cilindravam os nossos investimentos de pequeno montante. Juntamos as duas peças e começamos a investir nas grandes empresas que conhecemos.


Entra o mundo dos ETF e, de repente, já não é uma empresa só. São milhares que posso investir em simultâneo por poucas dezenas ou centenas de Euros.


Mais tarde, começa a "febre" das criptomoedas e de todo um mundo novo que se "revela" e que atrai alguns de nós. É curioso como as criptomoedas são, pelo menos na minha opinião, um produto que revela, muito claramente, a evolução geracional. As gerações antes de nós, não querem nem ouvir falar, a nossa há quem adore, há quem deteste e as gerações depois da nossa, adoram-nas. Estou a generalizar, claro, mas é interessante entender como as coisas tão disruptivas mostram estas clivagens tão claramente. Arrisco dizer que terá acontecido o mesmo com os nossos pais ou avós quando apareceram os primeiros cartões multibanco.


Independentemente do tipo de produto que escolhemos para investir, um outro ponto surge: alinhar investimentos com os nossos valores pessoais. Independentemente da nossa visão do mundo, é muito provável que haja investimentos totalmente alinhados com ela e que permitam que o dinheiro, e o investimento, seja uma extensão de nós próprios e das nossas opiniões.


Desafios actuais e próximos passos


Lendo este texto, que se aproxima do final, dá a sensação que tudo está bem e que superamos todos os desafios e que os Millennial estão bem. A verdade é que sinto que isso está longe da realidade.


Recentemente, crises de inflação e taxas de juro com o consequente aumento do custo de vida, mais recentemente a crise do acesso à habitação e muitas outras coisas empurram muitos destes Millennials para situações difíceis e que resultam, muitas vezes em emigração. Nas gerações seguintes, aquelas que ainda não eram velhas o suficiente para sofrerem mais "na pele" as crises mas que já tinham idade suficiente para entender o que se passava, a situação é alarmante. Diz-se que "30% dos nascidos em Portugal com idades entre os 15 e os 39 anos estão a viver, actualmente, noutro país. O que representa um universo de mais de 850 mil pessoas." São 850 mil pessoas que estão a contribuir para o desenvolvimento de outros países. É verdade que muitas pessoas quiseram efetivamente ir e fazia parte do seu plano de vida. No entanto, acredito, e aqui é mesmo opinião, já que não tenho qualquer dado que sustente isto, que a maioria se viu forçada a fazê-lo.


É também por elas que é importante continuarmos a fazer o nosso trabalho de educação financeira em Portugal. Sim, é verdade que não vai resolver tudo. É verdade que nem eu, nem nenhum dos meus colegas, tem o poder direto de aumentar salários, baixar rendas ou impostos. No entanto, acredito que todos nós podemos ajudar as pessoas, da melhor forma possível, a se sentirem forçadas a emigrar, porque não veem outra solução. Acredito que se conseguirmos ajudar as pessoas a aumentar o seu valor e, consequentemente, o seu rendimento, a poupar e investir desde cedo, a tomarem conta das suas finanças, muitas delas chegarão à conclusão que o benefício financeiro de emigrar não compensa o custo social, emocional e familiar de ficar. Estarei a ser demasiado romântico? Talvez. Ainda assim, é aquilo em que acredito.


Conclusão


Em resumo, e para concluir este artigo que vai muito mais longo do que habitualmente escrevo, a tal questão do mindset que nos trouxe até este artigo tem de continuar a ser trabalhado e a influenciar positivamente futuras gerações. As anteriores, infelizmente, na esmagadora maioria dos casos, estão presas a um mundo que já não existe e que não conseguiram acompanhar. Resta aceitá-las e seguir em frente.


Tenho 38 anos na altura em que estou a escrever este artigo. Tenho uma filha de 9 meses.


Sei que mundo e ideias sobre ele recebi e sei também que mundo e ideias sobre eles quero passar à minha filha e são substancialmente diferentes. Se estou certo ou não, o tempo o dirá. Talvez daqui a 20 anos volte a escrever um artigo desta dimensão, em parceria com ela, para relatar o que aconteceu.

 
 
 

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