O futuro está em boas mãos
- Sérgio Rodrigues
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Nos últimos anos, fruto do meu trabalho, tive o privilégio de estar em contacto com vários grupos de jovens, em diferentes iniciativas e contextos. Workshops, sessões de literacia financeira, eventos em empresas e escolas. Cheguei com a missão de ensinar, de partilhar experiências e ferramentas para os ajudar a lidar melhor com o dinheiro e com as decisões que os esperam no futuro.
Mas saí com outra sensação.
Fui eu que aprendi.
Aprendi com a forma como escutam. Com as perguntas que fazem. Com a clareza dos seus valores e o conforto que têm com a mudança.
Há algo de profundamente inspirador nesta geração — mesmo com todas as incertezas do mundo em que cresceram. E a verdade é que estão muito mais despertos, conscientes e alinhados do que muitas vezes imaginamos.
Neste artigo, quero partilhar algumas das reflexões que estes encontros me deixaram. Mais do que uma homenagem, é um convite: a olharmos para os jovens com menos desconfiança e mais escuta. Porque aquilo que estamos a tentar ensinar-lhes sobre o futuro… talvez seja exatamente o que precisamos de reaprender.

Uma geração que pensa mais longe (e mais fundo)
Há uma narrativa instalada que pinta os jovens de hoje como distraídos, impacientes, pouco comprometidos. Mas a verdade, para quem está no terreno e escuta com atenção, é bem diferente.
O que tenho visto — e sentido — é uma geração que pensa mais longe no tempo e mais fundo nos valores. Que não está apenas preocupada com o “o que vou ser” ou “quanto vou ganhar”, mas com o “para quê”, o “com quem” e o “a que custo”.
Valores antes de status
Cada vez mais, os jovens com quem tenho cruzado estão menos obcecados com cargos, títulos ou salários altos como fim em si mesmos. Há uma mudança silenciosa, mas poderosa: o propósito passou à frente do prestígio.
Querem liberdade, impacto, equilíbrio. Querem construir algo que faça sentido — mesmo que isso implique demorar mais ou seguir um caminho menos convencional. E estão dispostos a trocar o “sucesso clássico” por algo que ressoe com quem são de verdade.
Essa clareza de valores, tão cedo, é talvez uma das características mais admiráveis desta geração.
Consciência social e ambiental desde cedo
Outro traço que me impressiona: a consciência do coletivo.
Não é apenas sobre “chegar lá”. É sobre como se chega, com quem e para quê. Falam com naturalidade sobre responsabilidade social, justiça, inclusão, sustentabilidade. E não como quem repete palavras da moda, mas como quem sente que isso faz parte da equação desde o início.
Para muitos deles, o dinheiro é importante — claro. Mas não como símbolo. É uma ferramenta. Algo que permite fazer, viver, ajudar, crescer. Não querem ser escravos dele — querem que ele esteja ao serviço do que mais importa.
E isso, vindo de quem ainda está a começar… diz muito sobre o futuro que estamos a construir.
O que me tem inspirado nas conversas com esta geração
Há algo de muito especial quando estamos diante de pessoas que ainda estão a construir o seu caminho — mas que já o fazem com tanta intencionalidade. Nas conversas que tenho tido com jovens em várias iniciativas, noto padrões que me fazem acreditar que não só o futuro está em boas mãos… como está a ser reimaginado de forma muito mais consciente.
Clareza de objetivos (com menos certezas e mais coragem)
O que mais me surpreende é a combinação rara entre clareza de direção e abertura ao desconhecido.
Muitos deles ainda não sabem exatamente o que querem fazer, mas já sabem o impacto que querem ter. Querem criar, contribuir, transformar — mesmo sem uma resposta pronta para a clássica pergunta “o que queres ser quando fores grande”.
E é precisamente essa capacidade de avançar mesmo sem garantias que me inspira: não estão à espera de ter tudo definido para agir. Têm coragem de começar, experimentar, falhar e reajustar. Isso, para mim, é maturidade emocional aplicada ao futuro.
Capacidade de questionar e propor soluções
Outro traço forte: não se satisfazem com o “sempre foi assim”.
Questionam processos, desafiam ideias feitas, e fazem-no com respeito, mas com firmeza. Querem perceber porquê algo funciona de determinada maneira — e, muitas vezes, já vêm com sugestões na manga. Têm espírito crítico, mas não ficam só na crítica. Pensam em soluções, adaptam, colaboram.
Este tipo de pensamento independente e construtivo é exatamente o que precisamos para desbloquear o que está estagnado — em empresas, instituições, modelos educativos e até na forma como falamos sobre dinheiro.
Ausência de filtros na curiosidade
Talvez uma das qualidades mais refrescantes: perguntam sem medo.
Não têm receio de parecer “inexperientes”. Perguntam o que não sabem, sem rodeios nem filtros. E quando respondemos, ouvem mesmo. Com atenção, com interesse genuíno.
Essa curiosidade crua e autêntica é um terreno fértil para aprendizagem real — e um lembrete para nós, adultos, de como é fácil perdermos essa abertura com o tempo.
O que nós (adultos) podemos fazer para apoiar — sem travar
Se há algo que estas conversas com jovens me têm mostrado, é que o nosso papel não é o de guiar com uma lanterna, mas o de garantir que a estrada não lhes é cortada à nascença.
Não precisamos de ter todas as respostas. Mas podemos — e devemos — criar espaço para que as novas perguntas possam florescer. E isso começa por mudar também a forma como nos posicionamos enquanto adultos, pais, professores, mentores ou profissionais.
Escutar mais, corrigir menos
Temos tendência para querer “endireitar” tudo o que soa diferente da nossa experiência. Mas nem tudo o que é novo está errado — só é novo.
Apoiar esta geração exige escuta ativa, sem pressa de corrigir. Confiar que há outros caminhos possíveis, outras formas de trabalhar, de gerir dinheiro, de viver em equilíbrio. E, sobretudo, perceber que nem tudo precisa de ser moldado à nossa imagem.
Partilhar sem impor
Há um valor enorme na experiência de vida — e devemos partilhá-la. Mas partilhar não é impor.
Quando transmitimos conhecimento com empatia — contando histórias, mostrando ferramentas, dando exemplos — deixamos que cada um construa o seu próprio entendimento. Mas quando tentamos impor fórmulas fechadas, muitas vezes só geramos resistência.
Dar caminhos, não receitas. É esse o equilíbrio.
Atualizar a forma como falamos de dinheiro, trabalho e sucesso
Muitos de nós cresceram com uma narrativa linear: “Estuda, trabalha muito, e um dia a recompensa chega.” Mas o mundo mudou — e essa fórmula já não serve para todos.
Precisamos de reformular a conversa sobre dinheiro e sucesso. Falar de liberdade, de tempo, de escolhas conscientes. Mostrar que sucesso pode ser trabalhar 4 dias por semana. Ou ganhar menos para viver mais. Ou construir algo próprio, com impacto.
Flexibilidade, valores e equilíbrio são cada vez mais centrais — e precisamos de reconhecê-los como parte válida e legítima de um futuro financeiro saudável.
Conclusão
Depois de tantas conversas, workshops, sessões e partilhas, não tenho dúvidas: esta geração não é apenas promissora — já está a transformar a realidade.
Com perguntas certeiras, com uma visão mais ampla, com coragem para pensar diferente e agir cedo.
É um privilégio genuíno poder estar por perto, partilhar o que sei e, acima de tudo, aprender com a forma como olham para o mundo. Cada troca tem sido uma janela para um futuro mais consciente, mais alinhado e, espero, mais justo.
Por isso, deixo-te esta pergunta: “E se, em vez de tentarmos ensinar-lhes o caminho, os ajudássemos a construir o deles — com espaço, com ferramentas e com confiança?”
Talvez assim, todos cresçamos um pouco mais. Juntos.



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