Muito frequentemente, ouvimos falar de algum tipo de burlas ou esquemas financeiros e das pessoas que foram impactados por eles. Estas situações podem vir de diversas fontes e de formas mais ou menos elaboradas, mas todas elas têm o mesmo objetivo: levar alguém a acreditar que se entregar o seu dinheiro arduamente ganho a uma determinada pessoa ou entidade, então os ganhos será imediatos, ou quase, e sempre em proporções astronómicas.
Temos alguns exemplos à escala nacional promovidos nas redes sociais e outros de escalas muito maiores, ao nível mundial e que levaram inclusivamente à prisão de alguns dos promotores destes esquemas.
Neste artigo vamos falar sobre os esquemas mais comuns de burla e como a literacia financeira é uma ferramenta essencial para lidar com estes temas e pode ser, regularmente, a melhor forma de não cairmos nestes enganos.
Os esquemas de pirâmide
Nesta abordagem, o “truque” é simples: convidam-nos para fazer parte de um negócio, onde termos apenas de pagar um qualquer preço para entrar e sempre que recrutarmos mais pessoas para o negócio, ganhamos uma percentagem deste custo de entrada. Da mesma forma, quanto mais pessoas essas pessoas trouxerem, nós continuamos a ganhar. Parece bom, certo? Se tivermos uma rede de contatos suficientemente abrangente e conseguirmos recrutar pessoas que também a tenham, então o sucesso poderá estar mesmo ali à nossa frente.
Sempre que nos confrontarmos com uma situação destas, o que devemos perguntar é: o que é que este negócio realmente vende? Qual é o real negócio desta empresa? Se a resposta for “nada” ou perto disso, então estaremos, muito provavelmente, a olhar para um esquema de pirâmide cujo dinheiro é gerado pura e simplesmente pelo recrutamento de mais membros. Se um dia, esse recrutamento parar, o que acontece? A empresa acaba e a pirâmide desmorona-se.
Muitas vezes os negócios de marketing multinível são erradamente confundidos com esquemas de pirâmide e a diferença está exatamente aqui: estas empresas têm um negócio qualquer em que vendem um determinado produto ou serviço. Podemos achar que o produto ou serviço não são propriamente apelativos, mas, ainda assim, eles existem. Depois, além desta fonte de receita, existe também o recrutamento de outras pessoas e a partilha de receitas que elas gerarem, é verdade, mas esta não é a principal fonte de receita da empresa.
Em resumo, sempre que nos apresentarem um determinado negócio em que temos de pagar para entrar e depois ganhamos por cada recrutamento que fizermos, a pergunta que devemos sempre fazer é “qual é o negócio real da empresa?”. Se este não existir ou não for claro, então é, provavelmente, um esquema.
As burlas dos grupos de apostas
As apostas, de uma forma geral, sempre atraíram muitas pessoas pela promessa, ainda que vaga, de ganhos rápidos e avultados que se realizam num momento de sorte cuja probabilidade de acontecer é extremamente baixa. No entanto, a falta generalizada de literacia financeira em Portugal, e não só, faz-nos acreditar que esta pode ser a nossa grande oportunidade de ganharmos muito dinheiro e mudarmos a nossa vida.
Neste tipo de esquema o que geralmente acontece é que o promotor disponibiliza um determinado grupo onde qualquer pessoa paga um determinado valor para entrar e assim ter acesso às apostas que o especialista está a fazer. A ideia é que se as replicarmos exatamente da mesma forma, teremos exatamente os mesmos resultados que o promotor e, claro está, estes resultados são estrondosos e com uma margem de ganhos e acertos muito acima da média.
Se pensarmos bem e com calma, é legitimo questionarmos como é que estas pessoas acertam tanto mais do que a média. Como é que elas conseguem ter apostas vencedoras muito mais vezes do que as restantes pessoas? Além disso, como é que há tantas pessoas que juram a pés juntos que este promotor realmente acerta tantas vezes e que já ganharam muito dinheiro com estas dicas? A resposta é que, na verdade, não conseguem e não passa, muito regularmente, de uma forma muito engenhosa de se promoverem. Esta forma é praticamente idêntica à que as pessoas do próximo grupo têm, por isso falarei mais em detalhe sobre isto mais à frente.
Os “gurus do Forex”
Como talvez tenham reparado, usei aspas pela primeira vez no artigo para mencionar este grupo e fi-lo com uma intenção. O mercado de Forex (mercado cambial) é algo real e onde existem realmente entidades (pessoas e empresas) a transacionar legalmente e a fazer bons negócios e bons investimentos. Infelizmente, o mercado de Forex foi, e ainda continua a ser, “manchado” por algumas pessoas que o decidiram utilizar para montar algum tipo de esquema financeiro associado a ele.
A ideia é muito semelhante aos dos grupos de apostas, ou seja, há uma pessoa que aparece do nada e subitamente começa a mostrar o quão bem sucedido é nas suas transações de mercado cambial e que parece sempre acertar no que o Dólar, o Euro, o Yen ou outra qualquer moeda vão fazer num espaço de poucos dias e horas e com isso prometerem rentabilidades completamente estratosféricas e com isso atraem muitas pessoas que querem ter os mesmos resultados? Então o que têm de fazer? Simplesmente abrir conta numa determinada corretora escolhida pelo promotor e transferir para lá o valor que querem investir. A partir daí basta seguirem as dicas que o promotor dá num determinado chat ou site e vêm o seu investimento a disparar. Claro está que em todos estes passos, o promotor está a ser pago, e por vezes muito bem pago, por tudo o que o cliente faz, independentemente do sucesso das transações do cliente.
Então, voltando um pouco atrás ao tema dos grupos de apostas, como é que estas pessoas conseguem mostrar ótimos resultados, muito acima da média para que, com isso, consigam atrair pessoas para estes negócios? É bastante simples, na verdade.
A estratégia “dividir para conquistar”.
Imaginemos o seguinte cenário: temos os contatos de 1.000 pessoas e enviamos um e-mail para todas elas. Para 500 dessas pessoas dizemos “vai acontecer X” e para as outras 500 dizemos “vai acontecer Y”, e claro que X ou Y são sempre coisas em que não há uma opção Z. Será sempre uma coisa ou outra e nunca podem sequer acontecer simultaneamente.
O que acontece a seguir? Vamos assumir que aconteceu X. Isto significa que as 500 pessoas a quem enviamos a mensagem a dizer que isso ia acontecer, vão ficar impressionadas com as nossas capacidades e as pessoas a quem dissemos que ia acontecer Y nem por isso. Por esse motivo, nós vamos descartar as pessoas a quem dissemos que ia acontecer Y.
Então juntamos as 500 pessoas a quem dissemos que seria X, e a 250 dizemos “vai acontecer A” e a outras 250 dizemos “vai acontecer B”.
Vamos assumir que acontece “A”, o que significa que há um grupo de 250 pessoas que já nos viram acertar 2 vezes seguidas no que ia acontecer. Claro que aquelas a quem dissemos que iria acontecer “B” já acham que o primeiro momento foi apenas sorte e perdem a confiança. Por isso descartamos.
Vamos à terceira ronda com as 250 pessoas que conseguimos impressionar com os nossos 2 acertos sucessivos e fazemos a mesma lógica, ou seja, dizemos a 125 que vai acontecer “1” e aos outros 125 que vai acontecer “2”.
Quando acontecer “1” vamos ter, preparem-se, 125 pessoas que juram a pés juntos que nós conseguimos acertar 3 vezes seguidas no que ia acontecer. O mais interessante disto é que é verdade! Para estas 125 pessoas, realmente nós conseguimos prever e acertar 3 vezes seguidas numa determinada coisa, seja lá ela o que for. O que elas não sabem, nem têm forma de saber é que 875 pessoas ficaram pelo caminho menos impressionadas com o que nós fizemos. Incrível, não acham?
É aqui que pode entrar a fase para o promotor dizer que já conseguiu provar por 3 vezes seguidas que sabe o que está a fazer, por isso poderá estar na hora destas 125 pessoas lhe pagarem alguma coisa para continuarem a beneficiar deste conhecimento imenso que tem para partilhar. E é ai que o esquema realmente surge já que a partir deste momento, muito rapidamente as coisas começam a correr mal. Ao início ainda pode haver alguma margem de confiança porque o promotor não acertou uma, o que é legítimo, mas depois começam-se a acumular as perdas para os clientes e o esquema acaba por ruir. Claro que no meio de tudo isto, o promotor continuou a ganhar dinheiro.
A importância da literacia financeira
Os esquemas financeiros sempre existiram e, arrisco dizer, que sempre continuarão a existir, já que o enriquecimento rápido é algo que sempre atraiu as pessoas, por isso se houver alguém que lhes prometa isso e que consiga demonstrar que isso é possível então é muito provável que vá ter um grupo considerável de seguidores.
A partir do momento em que começamos a trabalhar no nosso conhecimento financeiro, muito rapidamente vamos chegar à conclusão que o enriquecimento rápido é possível mas não é, de todo, fácil ou garantido. Para ser fácil e garantido então não será seguramente rápido e demorará vários anos a construir e isso pode abalar as nossas ideias sobre o tema e colocar-nos a pensar que “talvez seja uma boa ideia confiar neste jovem com um Ferrari a dizer que ganha 1.000% ao ano”. Vou, desde já, dizer que não é uma boa ideia. Há uma probabilidade altíssima de ficarmos pior do que começamos.
A literacia financeira é muito mais do que sabermos gerir o nosso orçamento pessoal ou fazermos a nossa declaração de IRS. A literacia financeira dá-nos a capacidade de questionarmos este tipo de coisas e de aumentarmos o nosso nível de alerta para o que achamos que possa ser um esquema qualquer. Este conhecimento serve não só para nós próprios como também para as pessoas à nossa volta e isso traz uma responsabilidade e necessidade acrescidas para desenvolvermos esta parte do nosso conhecimento.
Um dos investidores mais famosos e bem-sucedidos do mundo, Warren Buffett, diz qualquer coisa como "se algo parece demasiado bom para ser verdade, provavelmente é mentira".
Se aplicarmos esta frase em tudo o que nos aparece à frente, provavelmente seremos capazes de escapar à maioria destes esquemas.
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